Para ele, persistir no ofício é uma forma de contribuir com a preservação da cultura e memória de Pernambuco. “Eu persisto para que não morra a tradição”, conta o mestre.
“Eu não sou artista plástico, eu sou artesão”, diz João Galdino. Uma declaração feita com orgulho, que dá o tom da nossa conversa e adianta um pouco da personalidade forte e decidida do Mestre. Aos 50 anos, ele carrega consigo mais de três décadas de dedicação ao artesanato, atuando na cidade em que nasceu, Gravatá, no agreste pernambucano.
João é homônimo ao celebrado Mestre Galdino, artista caruaruense que ganhou fama na década de 40 por fazer peças surrealistas utilizando o barro, por isso, é conhecido como Mestre Galdino de Gravatá. Talvez o nome tenha dado sorte, aliado ao talento inato que ele possui desde criança, mas o fato é que o gravataense cresceu para se tornar uma figura central na preservação da cultura popular de Gravatá.
Desde menino, Galdino observava atentamente seu pai, um artesão habilidoso, embora o ensino não fosse direto. "Ele não ensinava, mas eu ficava olhando. Depois que comecei a fazer umas peças, ele me ensinou umas besteirinhas," lembra. Com o tempo, aquela curiosidade infantil se transformou em uma paixão profunda pela arte. Suas primeiras criações, embora rudimentares, foram o alicerce de sua carreira, plural e brilhante.
A história de Galdino no teatro de bonecos é igualmente fascinante. O artesão começou sua jornada criando bonecos para outros se apresentarem. Contudo, em 2005, durante uma oficina do Grupo de Apoio aos Meninos de Rua (GAMR) em Gravatá/PE, ele teve a oportunidade de se apresentar pela primeira vez. "Fiz todos os bonecos para uma apresentação deles, mas uma pessoa faltou no dia. Eles me convidaram pra substituir, eu topei e nos apresentamos em praça pública. Foi um sucesso," conta. Desde então, ele segue produzindo bonecos para outras pessoas, mas também cria suas próprias apresentações.
CENTRO CULTURAL COTUNGUBA
O Centro Cultural Cotunguba, localizado no distrito de Avencas, zona rural de Gravatá/PE, é o epicentro de suas atividades de Galdino. Neste espaço ele esculpe sua arte em madeira, criando desde pássaros típicos da região até delicadas bailarinas, fruto de um curso especializado que aprimorou suas habilidades. "Eu não sou artista plástico, eu sou artesão," afirma com orgulho.
O café torrado dos anfitriões Mestre Galdino e Mestra Gerusa, sua esposa, dão as boas-vindas a quem chega ao local, que está aberto para visitações, em grupo, escolares ou individuais. Lá no local, além de conversar com o Mestre e conhecer mais sobre o seu processo de criação, você pode ainda adquirir alguma peça que esteja sendo finalizada no ateliê.
É no Centro Cultural também que se realiza outra grande iniciativa do Mestre: o Festival de Mamulengos Mestre Galdino. O evento, que está na sua 4ª edição, reúne artistas de expressão no meio cultural pernambucano e visitantes em uma celebração vibrante de arte e tradição. Este ano a grande festa aconteceu no mês de abril e trouxe uma programação diversificada, que incluiu apresentações de mamulengos, atrações musicais, performances de dança e mais.
Para Galdino, a realização do festival é motivo de grande alegria e gratidão. "A realização desse festival não poderia acontecer sem o apoio dos amigos é, preciso ressaltar, que a Prefeitura de Gravatá tem sido uma grande parceira," destaca. O festival é um testemunho do compromisso contínuo de Galdino com a cultura local, um compromisso que ele leva muito a sério.
Além dos bonecos, das bailarinas, dos pássaros, das peças decorativas e de muitos outros itens criados em madeira por Galdino, ele ainda encontrou energia e tempo para aprender a fazer instrumentos musicais em madeira.
O artesão, que cria suas peças a partir de encomendas, faz instrumentos de corda, como rabecas e bandolins. Para ele, cada peça é uma manifestação do seu amor pela arte e pela cultura pernambucana. "Cada pássaro que eu faço, cada rabeca, cada boneco que eu finalizo… sinto que estou cultivando nossa história e nossa cultura," reflete ele.
Durante nossa conversa, o mestre revela a vontade de realizar oficinas para passar adiante o conhecimento e a experiência que adquiriu ao longo dos anos. “Vou abrir umas oficinas no Centro Cultural, ensinar para a nova geração um pouco do que eu aprendi, passar dicas e incentivar eles a darem o primeiro passo. Quero fazer do Centro um local também de aprendizado e troca de conhecimento. Está nos jovens a continuidade de tudo isso, da nossa tradição. Precisamos ensinar a eles a nossa arte. Eles são a esperança”, explica Galdino.
Como podemos perceber, o trabalho de Galdino é mais do que uma ocupação para ele: é uma verdadeira missão. "O persistir é uma forma de contribuir. E eu persisto para que não morra a tradição," afirma. E essa determinação inabalável acaba por alimentar em nós a certeza de que as tradições artesanais pernambucanas continuarão vivas por muito tempo, encantando, emocionando, fazendo sorrir e ajudando a manter viva a chama da cultura popular.
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